Oque você acha sobre a nova lei de reserva legal?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Critérios para Definição das APPs ( Créditos: http://www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo2/016.pdf )

CRITÉRIOS GEOMORFOLÓGICOS NA DEFINIÇÃO DE ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APPs): UM ESTUDO COMPARATIVO DA
APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
Roberto MARQUES NETO. Mestre em Geografia pela UNESP-Rio Claro, coordenador do curso
de Gestão Ambiental do CESEP/FEM (betogeografia@superig.com.br).
Resumo
O presente artigo mostra um estudo da questão das áreas de preservação permanente
(APPS) enfatizando os aspectos geomorfológicos e suas relações com os procedimentos
metodológicos e legais usados na definição, mediante estudo comparativo entre as bacias
do ribeirão São Lourenço e do córrego Recanto.
Palavras-chave: Áreas de Preservação Permanente; bacia hidrográfica; APPs potenciais.
Abstract
This article show a study of permanent preservation areas question (APPs) emphasizing
geomorphologic aspects and your relationships with the methodological and legal actions
used in the definition, by means of comparative study between the ribeirão São Lourenço
e córrego Recanto basins.
Key-words: permanent preservation areas; hydrographic basin; potentials APPs.
INTRODUÇÃO
É estreita a relação entre determinado quadro topográfico e as formas de uso do
solo vigentes. Os condicionantes geomorfológicos são aproveitados no processo de
apropriação e exploração do espaço e dos recursos que o homem engendra, projetandose
ora como elemento favorável no conjunto da paisagem, ora impondo uma longa lista
de restrições, impedimentos e cuidados a serem levados em conta na implementação de
atividades transformadoras. Ao negligenciar quaisquer condições proibitivas do relevo de
caráter morfométrico ou morfodinâmico o homem renuncia a qualquer ranço determinista
na ocupação do espaço, propagando seus empreendimentos e projetos de exploração
para todos os domínios de paisagem do território nacional. Os desafios aos fatores do
meio se materializam, por exemplo, na ocupação por palafitas das margens alagáveis dos
grandes rios da bacia amazônica em contexto climático hostil do ponto de vista térmico e
pluviométrico, tal como é também nas depressões sertanejas semi-áridas, para não falar
nos arriscados sistemas de ocupação de encostas íngremes que se verificam numa série
de contextos urbanos nos planaltos cristalinos do Brasil Sudeste.
É necessário vincular o quadro paisagístico atual com o histórico de ocupação da
área sob a égide dos ciclos econômicos que esteve relacionada e que orquestrou a
exploração do território e dos recursos e que se acumulam na definição da atual dinâmica
da paisagem. A título de exemplo, podemos crer na possibilidade de que certos impactos
ambientais nos tecidos geoecológicos como desenvolvimento de processos erosivos e
perda de fertilidade dos solos coincidem, em diversos contextos, a um processo de
exploração agropecuária antigo que vem submetendo a terra agriculturável ao preparo ou
a passagem do gado desde longa data, determinando um desgaste físico secular da
cobertura pedológica aliado à depleção dos nutrientes que dão caráter fértil ao solo. Na
mesma linha, as primeiras extensões de cobertura vegetal a serem removidas em grande
escala no território brasileiro correspondem às áreas de ocupação mais antiga onde se
consolidaram as primeiras atividades econômicas, como a extração de pau-brasil na
fachada atlântica e o ciclo da exploração aurífera em Minas Gerais.
A eliminação da cobertura vegetal primitiva durante o processo de ocupação do
território nacional para dar lugar à expansão das fronteiras agrícolas e edificação das
cidades vem repercutindo em crescente perda de biodiversidade por conta da supressão
de habitats e ecossistemas inteiros, chegando ao extremo de reduzir todo um domínio
morfoclimático a pontuais fragmentos, tal como foi com a faixa azonal próxima à costa
onde medrava a mata atlântica, ou, mais recentemente, com o cerrado, que foi
extensivamente removido dos planaltos interioranos do Brasil Central para garantir a
expansão da fronteira agrícola em direção às bordas do domínio das densas florestas
equatoriais úmidas amazônicas.
O reconhecimento da diminuição drástica de um sem-número de populações da
flora e da fauna, acompanhado do inchamento da lista das espécies ameaçadas somadas
ao desaparecimento de outras tantas, estimulou a criação de dispositivos legais no intuito
de diminuir as taxas de desmatamento e a conversão indiscriminada de áreas vegetadas
em cidades ou espaços destinados às atividades agropecuárias, entre outros
empreendimentos que demandam a remoção da cobertura vegetal existente. Nesse
contexto é que foi formulada a Lei 4.771/65 (artigo 2° do Código Florestal Brasileiro), que
prevê a criação das chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs), áreas estas
onde a retirada da cobertura vegetal é considerado ato proibido passível de medidas
punitivas.
A demarcação de algumas modalidades de APPs está ligada à importantes fatores
de ordem geomorfológica que condicionam uma maior ou menor extensão de terras
submetida à essa categoria de uso do solo. Sendo assim, conforme o quadro topográfico,
territórios de expressão areal similar podem apresentar diferenças acentuadas no tocante
à porcentagem do território submetido à condição de preservação integral, o que reflete
algumas incompatibilidades entre aquilo que é previsto em lei e as reais necessidades
ambientais.
Em vista disso, ficamos tentados em discutir parâmetros metodológicos na
delimitação de APPs demonstrando comparativamente os resultados obtidos para dois
contextos geológico-geomorfológicos distintos tomando a bacia hidrográfica como
unidade espacial de análise. Uma das áreas de estudo situa-se em terrenos cristalinos da
região dos planaltos do alto rio Grande no sul do estado de Minas Gerais, e se refere à
bacia do ribeirão São Lourenço, que drena trechos dos municípios de Carmo de Minas e
São Lourenço. A outra bacia hidrográfica é a do córrego Recanto, e está localizada nos
municípios de Americana, Nova Odesa e Santa Bárbara d’Oeste, na Bacia Sedimentar do
Paraná, parte média da Depressão Periférica Paulista. Os resultados obtidos serão
discutidos em consonância à legislação ambiental vigente com sugestões pertinentes ao
tema abordado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Critérios a serem levados em conta na delimitação de APPs
O primeiro critério na demarcação de uma APP é o reconhecimento das suas
diferentes categoriais a fim de assegurar a fidedignidade das áreas designadas para esta
modalidade de uso do solo. Dessa forma, entre os critérios estabelecidos pelo CONAMA
(2002) para a definição de APPs, interferem no estudo de caso apresentado os seguintes:
a. Terço superior de morros e montanhas: adota-se a Resolução CONAMA n° 303
que designa como morro a expressão geomorfológica com diferença de cota entre o topo
e a base situada entre 50 e 300 metros e inclinação superior a 30% na linha de maior
declive;
b. Linhas de cumeada: faixas correspondentes aos divisores de água em
determinado sistema hidrográfico, também se considerando o terço superior da encosta;
c. Nascentes e olhos d’água: determina a proteção num raio de cinquenta metros
ao redor;
d. Margens de canais fluviais: deve ser mantida, na forma de matas ciliares, uma
espessura de: trinta metros em canais fluviais com largura inferior a dez metros; cinquenta
metros em cursos d’água entre dez e cinquenta metros de largura; cem metros para
cursos d’água com cinqüenta a duzentos metros de largura; duzentos metros para cursos
d’água com duzentos a seiscentos metros de largura; quinhentos metros para cursos
d’água com mais de seiscentos metros de largura.
e. Encostas com declividade superior a 45°.
Procedimentos na delimitação de APPs
Foi adotada no presente estudo a bacia hidrográfica como unidade de análise
comparativa, fato justificado pela facilidade em encerrar contextos espaciais de área
similar onde é possível empreender de forma agilizada as mensurações necessárias para
o estabelecimento das APPs e a interpretação dos resultados com foco direto no
planejamento e gestão do território.
Para a delimitação das APPs em topos de morro e nas linhas de cumeada do
relevo montanhoso foram adotados os procedimentos determinados pelo CONAMA
(2002), que recomenda a contagem das curvas-de-nível a partir de um ponto de
referência expresso pelo fundo de vale a fim de se detectar aquela correspondente a dois
terços da altura da elevação em relação à base.
Para a apreensão das APPs situadas em áreas de declive superior a 45° (100%)
foram elaboradas cartas clinográficas para as bacias hidrográficas consideradas segundo
a técnica do ábaco graduado proposta por De Biasi (1992), que espacializa e mensura a
declividade do terreno em intervalos de classe. O procedimento de definição dos
intervalos de classe a serem trabalhados a partir de extremos inferiores e superiores
tomados com base no menor e maior valor de espaçamento entre as curvas de nível
permite o estabelecimento dos intervalos em conformidade com as necessidades da
pesquisa.
Para as APPs que margeiam as linhas de drenagem perene foram estabelecidos
contornos representativos para remediar as restrições para a representação de
manifestações de grandeza decamétrica na escala utilizada. O vínculo direto com a rede
fluvial estabelecido por essa modalidade de APP a torna onipresente em qualquer bacia
hidrográfica, não exercendo interferência, dessa forma, no estudo aqui proposto.
As informações levantadas, indicativas das APPs por condição legal, foram
plotadas nas bases cartográficas do IBGE em escala 1:50.000, uma vez que as
informações planialtimétricas existentes permitem que sejam feitas as mensurações
necessárias.
Avaliação do cenário atual
As condições de preservação das APPs na bacia do ribeirão São Lourenço para
os tempos atuais foram estimadas através dos resultados do trabalho de Santos et al.
(2007), que mapearam as Áreas de Preservação Permanente remanescentes com o uso
de programa do geoprocessamento IDRISI.
Para a avaliação da situação atual das áreas de preservação permanente na bacia
do córrego Recanto, os levantamentos foram levados a efeito em campo associados a
interpretação de imagens do satélite CBERS-2 e TM-Landsat-5, colhida em Miranda &
Coutinho (2008).
Foram georreferenciados em GPS Garmin modelo Etrex pontos distribuídos nos
dois sistemas hidrográficos analisados, selecionados e marcados em sistema de
coordenadas UTM (datum Córrego Alegre) para auxiliarem o trabalho de mapeamento. As
figuras de mapa apresentadas foram editadas e georreferenciadas em programa Auto
Cad 2000, tendo como base as folhas topográficas Americana (SF-23-Y-A-5-3) e São
Lourenço (SF-23-Y-B-3-II) na escala 1:50000, na qual os documentos cartográficos
gerados foram representados.
CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DAS ÁREAS ESTUDADAS
De forma proposital, foram selecionados para apreciação da abordagem proposta
duas bacias hidrográficas localizadas em contextos geográficos distintos que respondem
de forma diferenciada aos apelos legais das áreas de preservação permanente.
A bacia do ribeirão São Lourenço, que drena terrenos dos municípios mineiros de
Carmo de Minas e São Lourenço, disseca áreas cristalinas nos limites entre a Serra da
Mantiqueira e o Planalto do Alto Rio Grande, em área de relevo movimentado e entalhe
consideravelmente profundo. Guarda suas cabeceiras nas bordas do Planalto de Campos
do Jordão (município de Carmo de Minas), cujo limite é dado por duas falhas
transcorrentes de direção NE e idade pré-cambriana a eopaleozóica reativadas: a Falha
de Jundiuvira, nas proximidades da Mantiqueira, e a Falha do Paiol Grande ou de São
Bento do Sapucaí no flanco norte, sendo que as direções principais correspondem aos
sentidos NE-SW, ENE-WSW, condizente com as estruturações regionais pré-cambrianas
(HIRUMA & RICCOMINI, 1999). Deságua no rio Verde, em São Lourenço, já no Planalto
do Alto Rio Grande, onde conjuntos de morros e morrotes abaulados são secionados por
alinhamentos serranos de orientação SSW-NNE referentes a zona de cisalhamento de
São Bento do Sapucaí (HASUI & OLIVEIRA, 1984).
Pela margem esquerda do ribeirão São Lourenço, o sistema hidrográfico estudado
é litologicamente composto por biotita-gnaisses de idade proterozóica caracterizados por
sucessão de bandas máficas e félsicas como elemento planar de destaque, e que se
distribui em serras alongadas de direção geral SW-NE representativas das cimeiras locais.
A esses gnaisses sobrepõem-se muscovita-quartzitos de mergulhos mais pronunciados
cujo sistema de fraturamento é o principal gerador das brechas hidrotermais vinculadas à
tectônica rúptil que viabilizam a surgência das águas minerais de São Lourenço, famosas
por suas propriedades medicinais e que tem na bacia do ribeirão São Lourenço, conforme
foi chamado atenção por Santos et al. (2007), sua principal área de recarga. Os biotitagnaisses
também ocorrem pela margem direita, com ocorrência de biotita-xistos
associados a relevo amorreado.
Ainda pelo seu médio curso o ribeirão São Lourenço já apresenta preenchimento
coluvionar vinculado ao desgaste das vertentes que recuam à medida que a drenagem se
aproxima do nível de base e passa a dissecar a planície de inundação do rio Verde.
Nessa área tem lugar sedimentação de materiais aluviais argilo-arenosos em parte
guardando vínculo genético com meandros abandonados do rio Verde, onde se
desenvolvem ambientes permanentemente alagados. Nas proximidades da área urbana
de São Lourenço foram reconhecidos depósitos tecnógenos decorrentes dos processos
de remoção da cobertura vegetal e aterramento de áreas permanentemente alagadas
para a instalação da malha urbana. Pedaços de troncos queimados foram encontrados
enterrados a mais de 10 cm de profundidade, indicando o uso da queima para a remoção
da cobertura vegetal preexistente.
No município de Carmo de Minas o uso do solo dado à bacia do ribeirão São
Lourenço atende, principalmente, a pastagens e ao cultivo do café, atividade primária que
o município mencionado é fortemente especializado. Na baixa bacia, em São Lourenço, o
uso do solo é eminentemente urbano, com vazios em áreas alagadiças na coalescência
entre as planícies de inundação do ribeirão São Lourenço e do rio Verde.
O padrão de uso do solo arrolado acima é deveras diferente daquele vigente na
bacia do córrego Recanto, que drena áreas limítrofes entre os municípios de Americana,
Nova Odesa e Santa Bárbara d’Oeste, municípios estes situados na Região Metropolitana
de Campinas (RMC), área caracterizada por forte pressão demográfica e malha urbana e
industrial significativamente densa, que se aproveita das condições topográficas
favoráveis dos terrenos sedimentares da Depressão Periférica Paulista. Para a bacia do
córrego Recanto, no entanto, a forma predominante de uso do solo se refere ao cultivo da
cana-de-açúcar, estando a área numa zona canavieira que se prolonga pelos municípios
de Piracicaba, Limeira e Rio Claro.
A bacia do córrego da Cachoeira está assentada em área geomorfologicamente
padronizada em colinas amplas e médias de fracos declives embasadas por arenitos e
siltitos glaciais continentais datados do permocarbonífero (Grupo Itararé) e por sill de
diabásio da Formação Serra Geral, de idade cretácea. Às rochas máficas estão
vinculados o desenvolvimento de Latossolo Vermelho Férrico associado a Nitossolo
Vermelho, ao passo que aos sedimentos glaciais se vinculam solos dotados de acidez
mais elevada, notoriamente Latossolo Vermelho Amarelo e Argissolo Vermelho Amarelo,
conforme mapeado por Marques Neto (2006).
Ambas bacias hidrográficas estão submetidas ao clima tropical, diferenciando-se o
clima tropical de altitude na bacia do ribeirão São Lourenço por conta da maior elevação
média (900 – 1300 metros em vantagem às faixas compreendidas entre 550-600 metros
da bacia do córrego Recanto), que dão margem a fenômenos topoclimáticos como a
subida das massas de ar pelas encostas com formação de precipitações orográficas.
AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NAS BACIAS DO RIBEIRÃO SÃO
LOURENÇO E DO CÓRREGO RECANTO
A bacia hidrográfica do ribeirão São Lourenço guarda suas cabeceiras no
município de Carmo de Minas (MG) a 1300 metros de altitude (morro do Chapadão) e
deságua no rio Verde na área central de São Lourenço (MG), a pouco menos de 900
metros de altitude, perfazendo um gradiente condicionado por desnível de
aproximadamente 400 metros entre a nascente e a foz. A área da bacia é de
aproximadamente 40 km2, a maior parte direcionada às atividades rurais, sobretudo
pastagem, seguida do cultivo de café.
Perseguindo objetivo diferente do nosso, Santos et al (2007) apresentaram
relevante trabalho sobre conflitos de uso do solo na bacia do ribeirão São Lourenço de
grande relevância para o seu planejamento e gestão, fazendo relação direta entre o uso
atribuído e o estado de conservação das áreas de proteção, o que demandou igualmente
a delimitação das APPs acompanhada de carta de uso do solo válida para o ano de 2004,
cujos valores acusados são mostrados no Quadro 1.
Quadro 1. Uso do solo na bacia do ribeirão São Lourenço para o ano de 2004.
Uso do solo Área (ha) Percentual da bacia
Agricultura 850,92 21,43%
Capoeira/várzeas 790,84 19,92%
Lago 8,08 0,20%
Mata 211,32 5,32%
Pastagem 1609,08 40,52%
Total 3.970,96 100%
Urbano 500,72 12,61%
Fonte: Santos et al. (2007).
Os dados contidos no quadro revelam de forma cabal o predomínio absoluto das
atividades agropecuárias, que somadas respondem por mais de 60% do uso do solo em
toda a bacia do ribeirão São Lourenço, com pouco mais de 5% da área ocupada por
floresta nem sempre primária.
Santos et al. (2007) computaram, através dos procedimentos metodológicos
aplicados, que para a bacia do ribeirão São Lourenço as APPs deveriam ocupar uma área
de 1328,88 ha, ao passo que ocupam apenas 107,56 ha, o que representa apenas 8,1%
daquilo que a legislação determina.
É de interesse ambiental o incremento dessas áreas especiais como forma de uso do solo
na bacia do ribeirão São Lourenço. A presença de faixas serranas e morros embutidos
abre perspectivas para o estabelecimento de corredores ecológicos que se materializam
quando as APPs potenciais são espacializadas, assinalando conexão clara entre as
matas ciliares que devem seguir rentes ao curso d’água até as nascentes, naturalmente
guardadas no terço superior das vertentes, além dos trechos de alto declive, que
frequentemente apresentam linhas de drenagem perene. Excluindo as modalidades de
APP vinculadas à rede de drenagem, a bacia do ribeirão São Lourenço apresenta
aproximadamente 470 ha de áreas correspondentes a vertentes com inclinação superior a
45° e setores posicionados no terço médio superior, o que perfaz aproximadamente
35,4% das APPs potenciais em área na bacia de drenagem, tomando como referência os
valores encontrados por Santos et al. (op cit.). A Figura 1. representa tais modalidades de
APPs na bacia em questão.
Figura 1. APPs potenciais (excluindo aquelas vinculadas à drenagem) na bacia do
ribeirão São Lourenço.
Pela margem esquerda a faixa serrana de orientação geral NE-SW (serra da
Soledade Velha) conforma uma linha de cumeada com perspectiva para a formação de
corredores e abdicação da atual situação fragmentária, o que não se verifica no
compartimento amorreado de declives mais suavizados encontrados na margem direita.
A bacia do córrego Recanto, por seu turno, difere enormemente da bacia do
ribeirão São Lourenço quanto aos aspectos litológicos, morfopedológicos e de uso. A
maior parte de suas terras é ocupada por atividades rurais, com vasto predomínio do
cultivo da cana-de-açúcar, que se aproveita do quadro topográfico favorável e ocupa
indistintamente todas as variedades de solo anteriormente mencionadas e padroniza a
paisagem nas zonas rurais nesse setor da bacia do Piracicaba.
O sistema de relevo vigente na bacia do córrego Recanto não mune em alto poder
de fogo a área dos critérios geomorfológicos levados em conta para a delimitação das
áreas de preservação permanente, que ficam então restritas às nascentes e às margens
dos cursos d’água. Ledo engano, entretanto, apostar na existência das APP’s potenciais
mencionadas, que, na prática, foram exaustivamente depauperadas pelo cultivo da canade-
açúcar que dominou o relevo colinoso desde os extensos topos aplainados até as
margens dos cursos d’água, onde as matas ciliares, quando não ausentes, exibem
fisionomia deveras distante do aspecto primitivo da vegetação beiradeira na região,
apresentando caráter esparso e fragmentado pontuado por gramíneas e outras espécies
pioneiras e invasoras, e onde o desrespeito aos 30 metros previstos na legislação é a
regra. No baixo curso do córrego Recanto, ocupações irregulares avançam de forma
contundente até as margens, diversificando os conflitos de uso do solo que também
existem e aprofundam a complexidade da problemática das APPs nesse sistema
hidrográfico.
O relevo colinoso da região em face aos critérios geomorfológicos na delimitação
de APPs impossibilita o estabelecimento de fragmentos e a formação de corredores, o
que seria de grande valia nesse contexto regional onde a intensa e heterogênea
exploração do território, com forte adensamento urbano e industrial, não faz por cogitar
nem hipoteticamente a criação de áreas protegidas de extensões significativas, o que
tende reforçar a condição fragmentária da mata atlântica com hiatos permanentes em sua
extensão.
Mesmo as matas ciliares potenciais aparecem em desvantagem em função da
menor densidade hidrográfica (relação entre o número de cursos d’água e a área da bacia)
e de drenagem (relação entre a soma do comprimento dos cursos d’água e a área da
bacia) dos terrenos sedimentares em relação aos terrenos cristalinos, embasados por
litologias menos permeáveis e mais intensamente fraturados e dissecados, determinando
que por consequência a extensão linear das matas ciliares também seja maior. Tais
parâmetros morfométricos determinam, portanto, uma maior extensão linear para as
áreas de preservação permanente referente à categoria mata ciliar dada pela somatória
do comprimento dos canais fluviais.
Com área total de aproximadamente 24 km2, a bacia do córrego Recanto é
fracamente dissecada e possui densidade de drenagem de 0,8km/km2. No caso da bacia
do ribeirão São Lourenço, a densidade de drenagem se eleva para a ordem de 2,7km/km2.
A despeito das restrições impostas pela escala onde tais cálculos foram empreendidos
(1:50.000), os resultados revelam de forma cabal as diferenças no que se refere ao
padrão de dissecação vigente, e que interfere diretamente na extensão das áreas de
preservação associadas à drenagem e na área total de áreas potencialmente
preserváveis nas bacias de drenagem mostradas.
A análise da Figura 3 é suficiente para corroborar as discussões referentes as
APPs na bacia do córrego Recanto, à medida que revela que tais áreas estão
exclusivamente vinculadas à rede de drenagem.
Figura 3. Áreas de Preservação Permanente potenciais na bacia do córrego Recanto.
A LEGISLAÇÃO E AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Os aparatos jurídicos que disciplinam a manutenção das áreas de preservação
permanente repercutem de forma diferenciada, conforme exposto, nas bacias de
drenagem em discussão e, em maior amplitude, pelo território nacional.
É evidente que, no escopo da legislação ambiental brasileira, a bacia do ribeirão
São Lourenço apresenta uma extensão maior de áreas de preservação potencial por
efeito do quadro geomorfológico com o qual se relaciona. Situada em região de relevo
acidentado do Planalto Atlântico, onde os morros e serras constituem conjuntos de formas
conspícuos, à bacia do ribeirão São Lourenço se aplicam importantes critérios
geomorfológicos indicadores de fragilidade potencial que definem as áreas de
preservação permanente, definindo, conseqüentemente, uma área significativa de
proteção potencial, conforme mencionado anteriormente.
A bacia do córrego Recanto, em contrapartida, não se beneficia dos
condicionantes geomorfológicos para prover a preservação da cobertura vegetal em suas
terras. Adstrita à Depressão Periférica Paulista, em área de relevo suavizado padronizado
em colinas amplas e médias, é obvio que inexistem áreas de preservação permanente em
topos de morro e serras, restringindo a possibilidade de preservação apenas nos
cinquenta metros ao redor das nascentes e rente aos canais fluviais.
Diante da conveniência em uniformizar a aplicação do Código, a legislação
ambiental brasileira abdica das dimensões continentais do território, que se dissocia em
vasta gama de paisagens e geoambientes, fazendo com que para algumas regiões sejam
atribuídas consideráveis áreas de preservação potencial ao mesmo tempo em que dá
margem a sobrexploração do território em outras. Os contextos aqui discutidos denotam
as idéias aventadas, revelando disparidades em termos de áreas de preservação
potencial e, conseqüentemente, real.
O hiato que se projeta entre as duas bacias de drenagem se dá no domínio
tropical atlântico, estando as áreas selecionadas para estudo submetidas a controles
climáticos bastante semelhantes. Ainda assim, dentro do domínio dos mares de morro
(AB’SÁBER, 1965), ocorrem províncias geomorfológicas cujo padrão geral de formas de
relevo se tipifica em morfologia colinosa, a exemplo do Planalto Ocidental e da Depressão
Periférica Paulista, que ocupam a maior parte do estado de São Paulo. Para a referida
unidade federativa, Hott et al. (2005) identificaram área de preservação potencial em
topos de morro, serras e linhas de cumeada correspondente a 7,7% do território estadual,
desenhando-se um padrão no qual as APPs se concentram no ambiente de relevo
mamelonizado do Planalto Atlântico na forma de fragmentos em morros e cristas,
projetando-se em faixas lineares pelos espigões divisores das principais bacias
hidrográficas (Grande, Pardo, Tietê, Mogi).
O mapa gerado pelos autores citados, de fácil projeção mental para o conhecedor
da rede hidrográfica paulista, é bastante ilustrativo das diferenciações que a distribuição
espacial das áreas de preservação permanente assumem de acordo com o sistema
geomorfológico. É de fundamental importância, portanto, que esforços sejam
concentrados em mapeamentos desta estirpe, interessados em cartografar as áreas de
preservação permanente para grandes áreas, a fim de sistematizar os conhecimentos
para o território nacional acerca do arranjo espacial dessas áreas especiais.
É reconhecido, diante do que foi argumentado, uma insuficiência da legislação
ambiental brasileira na definição de áreas de preservação permanente, uma vez que as
resoluções são uniformizadoras e não levam em conta as variações, pelo menos mais
gerais, nas paisagens físicas. A grandeza da expressão espacial brasileira perece da falta
de flexibilidade da legislação no sentido de se adequar, pelo menos de forma
generalizada, às diferenciações fisiográficas mais elementares. Em contextos pontuais,
como aglomerados urbanos, Araújo (2002) chama a atenção para a dificuldade de
aplicação dos limites estabelecidos pelo Código Florestal para a preservação nas
margens dos canais fluviais em faixas espessas da maneira que se faz viável nas áreas
rurais, advogando em favor de uma flexibilização das normas no sentido de também
adequar a legislação à realidade das cidades.
Do ponto de vista metodológico, o código peca na definição do terço superior das
vertentes ao utilizar o critério estritamente altimétrico e ignorar o comprimento real da
vertente, cujo terço superior, no nosso entendimento, deve ser definido a partir da
medição do comprimento de rampa, conforme fica latente no trabalho de Ribeiro et al.
(2004), sendo aqui considerado a partir do traçado das linhas preferenciais de
escoamento superficial a partir dos topos e linha de cumeada em direção aos canais
coletores. O comprimento de rampa configura, dessa maneira, a distância percorrida pela
água de escoamento a partir do final do topo até o nível de base local ou início da zona de
infiltração, que pode ser a planície de inundação do rio. Tal procedimento difere daquele
sugerido pelo CONAMA (2002), que entende que a delimitação deve se dar a partir da
curva de nível correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação a
base, o que pode subestimar os espaços a serem preservados em situações de relevo
íngreme, como frentes escarpadas, quando as curvas-de-nível se emparelham em
distâncias ínfimas nas cotas mais elevadas, reduzindo a área dos espaços preservados.
Ademais, ao se considerar o comprimento da vertente privilegia-se a dinâmica dos fluxos
superficiais que responde pela retirada de material e desenvolvimento de processos
erosivos em lençol e concentrados, em muitos casos levados a efeito pelo escoamento
em longa extensão, que permite que a água ganhe velocidade e aumente sua eficiência
erosiva. A presença da cobertura vegetal proporcional a um terço da extensão real da
vertente constitui medida efetivamente eficiente para restringir tais processos.
É entendido como saudável o avanço na definição de áreas de preservação
permanente a serem protegidas por lei com base ao menos nos elementos mais gerais
definidores das grandes unidades de paisagem. Evidente, a título de exemplo, que nas
terras baixas amazônicas, a problemática que está em tela assume notória singularidade,
não devendo as APPs se restringir aos cursos d’água. Para este quadro convergem as
concordâncias de que outras áreas de preservação devem ser somadas às Unidades de
Conservação e reservas indígenas existentes em função do avanço do desmatamento
crescente que já se encontra além do “arco do desmatamento” e que parece seviciar
insidiosamente a biodiversidade do domínio, dinâmica que segundo Ferreira et al. (2004)
tem início com a abertura de estradas que permite o acesso à floresta e viabiliza a
extração seletiva de madeiras nobres, a pecuária extensiva e a agricultura tradicional ou
mecanizada, práticas que tem como principio fundamental a remoção da cobertura
vegetal.
Considerando uma outra situação, o estabelecimento de áreas especialmente
protegidas também se torna constrangedor nas depressões nordestinas semi-áridas de
drenagem intermitente cobertas por caatinga, bioma que sofre pressão antrópica
significativa e dotado de mecanismos precários de proteção.
Faz-se então conveniente uma maior flexibilização para a legislação, no sentido de
evitar o subaproveitamento do espaço para a preservação como vem sendo feito em
grandes áreas do território nacional e fazer cumprir de forma mais efetiva e abrangente
possível a função dessas áreas especiais, consolidando seu papel entre as modalidades
de áreas protegidas no território nacional.
CONCLUSÕES
Diante das considerações expostas sobre a questão das áreas de preservação
permanente, algumas conclusões podem ser enumeradas:
1. Alguns critérios utilizados na definição de APPs que constam no Código
Florestal são metodologicamente deficientes, particularmente àquele que define o terço
superior da vertente com base na projeção vertical dada pela contagem das curvas de
nível em detrimento do comprimento de rampa real;
2. A uniformização dos critérios que definem tais espaços protegidos determina
desbalanceamento no tocante as APPs potenciais entre diferentes regiões conforme o
quadro fisiográfico;
3. Existe uma dificuldade em coadunar os fatores de ordem física com os aspectos
bióticos, o que determina que nem sempre as áreas de preservação potenciais sejam
compatíveis com as reais necessidades ambientais da área;
4. É notório que em áreas densamente dissecadas e de relevo acidentado os
espaços a serem ocupados pelas APPs é mais avantajado em relação à áreas de relevo
monótono, conforme corrobora a análise comparativa apresentada, salvos contextos
especiais como veredas e restingas;
5. A bacia hidrográfica se presta como unidade de análise bastante interessante e
viável para estudos desta estirpe, permitindo que se empreenda as mensurações e
análises espaciais necessárias mediante uma postura sistêmica e integrativa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário